A Voz da Poesia

Biblioteca da Literatura Popular (Cordel)

Textos

Editorial do jornal O Estado do Piauí /// DIAs 21 e 22 de fevereiro de 1988 /// A PAIXÃO ATRAVÉS DO CORDEL
O poeta e Cordelista JOSÉ BEZERRA DE CARVALHO,  59 anos, um preservador inveterado da fauna brasileira, escreve diariamente versos através dos cantos dos pássaros, com 22 histórias em cordel lançadas na praça, o poeta já faz parte do cordel brasileiro.
Conhecedor de toda obra do cordelista Patativa do Assaré, José Bezerra, entre um cafezinho e outro, canta o cotidiano, as labutas, os desencantos e as paixões absurdas.
A casa do poeta mais parece um paraíso, cercada de aves e bichos. E cita :

“ A poesia para mim é como alimento, se eu tivesse que escolher entre pintar e escrever poesia, o desejo da poesia estaria em primeiro plano “ .

Define o Poeta Zé Bezerra pra alguns leitores, trata-se de uma terapia, pois segundo eles o poeta consegue espantar as amarguras, lavando e purificando o espírito com os mais célebres versos. O poeta vive como um pássaro, guardado a sete chaves no seu sobrado, escrevendo ou lendo alguns romances. O poeta quase não sai de casa, onde ali encontra enredos para uma nova história; neste poema, EU, o leitor encontrará versos certeiros e sábios definindo seu verdadeiro oficio de cordelista.

Jornalista José Ramos.




POEMA “ EU “

Eu sou um pássaro triste
Voando na amplidão
Sem conforto e sem amparo
Preso em um alçapão
A tristeza é minha amiga
Meu ninho é a solidão

Eu nasci antes do tempo
Cheguei na hora errada
Num dia de lua cheia
Em tempo de invernada
O rasga-mortalha cantava
Dando sua tesourada

Eu sou a estrada sem fim
O caminho desprezado
Eu sou a árvore sem sombra
Sou um cão abandonado
Sou um ermo, um deserto
Que nunca foi explorado


Sou um lago sem água
Sou o rio que secou
Sou a flor desabrochada
Que o galho já murchou
Sou espelho sem brilho
Que já se despedaçou

Sou a lareira sem fogo
Pedra no meio da estrada
Sou a  erva do caminho
Que por todos é pisada
Eu sou o eco sem voz
A palavra não falada

Eu sou o desprezo de todos
O desgosto de alguém
O livro que não se lê
O remédio que não  tem
Eu sou a trilha errada
Nela não anda ninguém

Sou os escombros da vida
Sou a palavra errada
O inferno fora do tempo
A seca não esperada
Eu sou a safra perdida
Eu sou o resto do nada

Eu sou o curral sem gado
O chiqueiro sem cabrito
Sou a manada de ovelha
Que se perdeu por um grito
Eu sou o que não se fala
Aquilo que não foi dito

Eu sou um dia treze
Dia de superstição
Por isso eu sou assim
Sou dia de maldição
Só chego fora do tempo
Ninguém me dá atenção

Mas se você quiser
Quebrar essa maldição
Não dê ouvidos ao mundo
Me entregue seu coração
Deixe o mundo se danar
Só quem ama tem razão

Zé Bezerra o Águia de Prata
Enviado por Zé Bezerra o Águia de Prata em 26/05/2007
Alterado em 28/05/2007
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